quarta-feira, 30 de janeiro de 2008

Trilha do Corisco (Travessia Paraty / Ubatuba) - (Relato de Jorge Soto)

De 25/01/08 a 27/01/08

PARATY-UBATUBA: EM BUSCA DA TRILHA PERDIDA
A densa e espessa floresta engolia td, lentamente, apagando do mapa qq vestígio daquela vereda q outrora rasgara aqueles sertões. Como se nao bastasse, a mata caída trazida pelas fortes chuvas se encarregava de sepultar o q restava dela. Essas eram as atuais condições da Trilha do Corisco, tb conhecida como Corisquinho-Picinguaba ou Ubatuba-Paraty. Utilizada pelos locais pra se deslocar ate o Engenho da Fazenda, ja em Picinguaba, este pouco conhecido caminho tropeiro q fora usado à exaustão ate a construção da Rio-Santos hj se encontra em pleno desuso. Contudo, foi com o mesmo espírito desbravador dos primeiros colonizadores q este ultimo feriado fomos explorar este velho caminho. Assim, em 3 árduos dias e emendando tb o Pico do Cuscuzeiro, trouxemos à luz esta histórica vereda perdida no mato e no tempo.

SUBIDA E PERRENGUE PELA SERRA DE PARATI
5 cansativas hrs foram necessárias p/ chegar em Paraty, após sair na alta madru paulistana. Entretanto, nem o atraso pela parada p/ trocar o pneu furado da Rê ou o tempo totalmente encoberto conseguiu abalar nossos ânimos. Assim, tomamos a rotatória na entrada da cidade e logo a estradinha de terra q nos levaria serra acima, no bairro do Corisquinho, q alcançamos as 10hrs. Breve lanche na mercearia local seguida da arrumação final das mochilas - na casa da simpática Dna Neuza, q gentilmente cedeu espaço p/ deixar os veículos - e eis q por fim colocamos pé-na-estrada, dando inicio à nossa audaciosa empreitada, as 11:30. O grupo era composto pelo Ângelo, Rafa, Rê, Lu, Ana Lucia (a Lux), Paulinho, Rex, Marina e o Nemo. Mesmo heterogêneo sob tds aspectos, o grupo tinha apenas um objetivo... Chegar ate Ubatuba.
Assim q passamos pelo pto final de bus, a estradinha de terra continua serra acima, serpenteando pequenos sítios, sempre acompanhando o Rio Corisquinho, q marulha à nossa direita. A caminhada é puxada devido à inclinação, mas é constante por conta da nebulosidade e mormaço brandos. Aos poucos, as casas somem dos morros desnudos e adentramos no frescor da floresta, q alterna mata nativa c/ limoeiros, pés-de-jaca, bananeiras, fruta-do-conde, entre outras. Antes porém, temos o ultimo vislumbre do selado q, em tese, seria nosso pernoite, à sudoeste; um estreito vértice forrado de vegetação entre o Morro do Cuscuzeiro e o Morro do Corisco, guardiões imponentes da exuberante Serra de Parati.
As 13hrs alcançamos o final da estrada e tomamos a picada à esquerda, indo de encontro a um belo riacho c/ vários pocinhos e minúsculas pererecas. O local é cênico e merece uma breve parada p/ abastecer os cantis, um rápido tchibum da Lu & Lux, e um tombo cinematográfico do Ângelo. Atravessado o rio, o caminho bordeja um ombro de serra, pela esquerda, e cruza + dois córregos, sempre subindo sinuosamente em meio a mata. Mas antes de cruzar o 3º córrego, tomamos uma discreta picada q sai à esquerda e adentra de vez em espessa floresta. Daqui em diante é preciso subir devagar pq requer mta atenção; a trilha é confusa e a mata parece escondê-la à menor distração.
Ignorando um trilho perpendicular, a pernada continua floresta adentro mas não dá nem 100m ate esbarrar numa enorme qtdade de mata tombada, carregada por pesadas arvores moribundas, ocluindo a trilha de forma considerável. Aqui começaram nossas dificuldades. Eu e o Ângelo buscamos a continuidade da mesma, s/ sucesso, daí decidimos subir lentamente a encosta, tateando por pirambas menos íngremes e fechadas pela mata, na esperança de interceptar a trilha + acima. E lá fomos nos, galgando lentamente encostas e ombros de serra perpendiculares, sempre forradas de espessa mata. Apesar de difícil e cansativo na maior parte do tempo - c/ direito a muito sobe-desce beirando abismos por tapetes de folhas e troncos podres q se esfarelavam ao menor toque ou perigosas pedras escorregadias nos trechos + úmidos -  a água esteve sempre presente, fosse na forma de discretos filetes nos pequenos vales ou despencando na forma de majestosas cachus por enormes lajotas verticais montanha abaixo. O melhor era constatar o astral positivo de tds, não dando margem à desânimo de qq espécie, onde as risadas das piadas do Rex e Paulinho rompiam o silencio constantemente, abafando até o canto metálico das arapongas. Outro destaque foi o espírito de equipe; enqto uns abriam caminho, os demais se ajudavam mutuamente nos trechos + delicados.
As horas foram passando, mas estávamos convictos q uma hora a trilha seria interceptada no selado, na crista da serra, ate pq já havíamos avançado bastante pelo nosso "atalho", s/ nenhum sinal dela ate então. Não nos restou opção senão continuar varando mato pela encosta ate chegar lá. Contudo, há uma diferença entre querer e poder; nosso ritmo era lento naquelas condições adversas, diluindo a certeza de nosso local de pernoite. Como se não bastasse, começou a chover. Dizem q rir é o melhor remédio, e era o q td mundo se esmerava em fazer. Só restava saber se o riso era de nervoso ou pelas piadas da galera.
O tempo parecia voar e p/ não ter de descer ate um vale transversal fundo, bordejamos a montanha (sempre) pela esquerda, subindo lentamente encostas menos íngremes e varando bambuzais secos menos espessos ate atingir um ombro de serra razoável, em cima de uma enorme pedra q formava uma mini-toca em sua base. Foi ai q eu e o Rafa nos adiantamos p/ ver o qto faltava p/ selado apenas p/ constatar o óbvio, ou seja, q não chegaríamos la c/ o resto de luz natural disponível. Decidimos estacionar num calombo daquele estreito ombro de serra, à beira de um enorme paredão vertical de pura rocha, q era efetivamente o local "menos pior" dali, as 18:30. Mas como acomodaríamos 10 pessoas ali c/ menor desconforto possível, já q não havia espaço p/ barraca alguma? Bem, eu e a Lu montamos nossas redes s/ dificuldade em meio ao arvoredo; Ângelo, Lux e Rafa bivacaram entre voçorocas de grossos bambus, e o resto limitou-se a jogar o isolante por cima de uma lona no chão folhado, e se acotovelar na parte menos inclinada daquela enorme piramba. Pensando bem, tds deram um jeito. O q não faz a necessidade...
A chuva havia cessado e assim q escureceu preparamos nossa janta, p/ depois jogar conversa fora ou apenas admirar os enormes vaga-lumes faiscando ao redor. As 22hrs o cansaço chegou implacável e as gargalhadas e cochichos foram substituídas pelo som arranhado das cigarras, do insistente toc-toc de um pica-pau maroto e do hipnótico marulhar de um curso d´água correndo nas proximidades. Mesmo esfriando consideravelmente durante a noite, dormi muito bem na rede não fossem inconvenientes pernilongos zunindo na orelha. Mas dos males, esse era o menor.
 
O MARCO DA DIVISA E ATAQUE AO CUSCUZEIRO
Levantamos assim q o dia irrompe, as 7hrs, iluminando nosso arremedo de acampamento - q parecia uma sucursal pobre do MST - p/ partir as 9hrs após farto desjejum e alguma enrolação. Uns reclamam da noite mal dormida, principalmente a Marina, q por pouco não deslizou p/ cima do Nemo, q lamentou isso não ter ocorrido. Por sua vez, a manha não esta nada promissora, mas ainda assim temos q dar continuidade à nossa incursão pela encosta da montanha (no caso, o Cuscuzeiro) no exato momento em q os primeiros pingos começam a cair sobre a gente.
S/ pressa alguma, perdemos altitude a medida q contornamos a serra, já avistando a proximidade da copa de arvores q deduzimos ser uma das extremidades do tão almejado selado. Apos descer cuidadosamente uma piramba, alcançamos um terreno q logo nivelou. Largo e plano, estávamos nos limites da larga crista q unia o Cuscuzeiro e o Corisco. Caminhando agora s/ maiores dificuldades, desviando de cursos d´água, arbustos ou arvores maiores (inclusive bananeiras), não foi nem começar a procurar q nos deparamos c/ trilha q havíamos perdido o dia anterior! Desnecessário dizer a alegria indescritível q tomou conta de tds, principalmente pela garantia de rumo certo a partir dali, ate pq cogitávamos retornar ao bairro caso não encontrássemos a dita cuja. Logo adiante, as 10:30, topamos c/ o marco referencial q, datado de 1957 e c/ td sua superfície de cimento coberta de musgo e limo, sinalizava laconicamente a divisa dos estados de SP-RJ a exatos 740m, de acordo o altímetro da Rê.
A trilha agora era óbvia, c/ uma discreta ramificação subindo a encosta à nossa esquerda, provavelmente indo de encontro ao topo do Cuscuzeiro. Como ainda estávamos dentro do nosso cronograma, deixamos as pesadas cargueiras ali c/ a Rê e o Rafa (q optaram ficar no marco) enqto o resto foi ao ataque da montanha, as 11hrs. A subida realmente começou bem forte, c/ uma media de 50º de inclinação, exigindo constante uso das mãos p/ agarrar qq tronco, bambu ou mato confiável disponível. Isso s/ contar no chão escorregadio, ora por estar besuntado de lama ou forrado de folhas úmidas. Porem, um tempo depois a picada nivela num ombro de serra onde havia vestígios de um acampamento, aparentando continuar adiante. Mas não, tome à esquerda q a trilha logo surge subindo suavemente esse mesmo ombro de serra, marcada por fitas em td sua extensão. Aqui as meninas toparam c/ uma jararaca amarela no meio da trilha, mimetizada numa inofensiva folha caída q passou desapercebida aos primeiros da fila.
Mas td q é bom dura pouco, pois a pernada volta a subir p/ valer, c/ direito a mta lama e ardilosas raízes brotando do chão úmido servindo de escadas. Começa a chover bem forte, mas por sorte, o grupo estava decidido e atingir o topo era apenas questão de tempo. Assim, após um ultimo trecho tomado de bambuzinhos e carafás q insistiam em se agarrar no corpo p/ atrasar nosso avanço, atingimos os 1240m do alto do Cuscuzeiro as 12:30. O topo aparentemente não é lá essas coisas; tomado por espessa vegetação, não teríamos vislumbre de nada pq o tempo tb não estava cooperando. Entretanto, uma rápida exploração do Ângelo indicou uma trilha q continuava pela crista e se estendia, a sudeste, ate as montanhas sgtes, inclusive o Morro da Forquilha. No caminho, um pequeno platô c/ lugar disponível p/ acomodar algumas barracas já é dica segura p/ futuras explorações e, quem sabe, de uma nova travessia ainda a ser desbravada.
A chuva havia dado trégua ao retornar no marco da divisa, as 14hrs. Assim, retomamos a trilha principal meia hora depois, após um descanso e lanche merecidos. Agora descíamos a serra devagar e c/ cautela, prestando atenção p/ não perder a picada novamente, pq mesmo perdendo pouca altitude a floresta parecia tornar-se cada vez mais densa e exuberante, c/ enormes exemplares de jequitibás, jatobás, jacarandás e figueiras de troncos colossais. Esse ritmo manso só foi desrespeitado num trecho repleto de vorazes formigas q nos obrigou literalmente a correr trilha abaixo. Mesmo assim, após cruzar 2 pequenos riachos e sempre atentando à marcação nas arvores, não tardou p/ picada desaparecer na mata, nos obrigando varias vezes a retornar ao pto anterior e buscar algum vestígio da mesma. De fato, esta travessia requer noções precisas de navegação, alem de bom "farejo de trilha", coisa q o Ângelo e o Rafa tinham de sobra. Ainda bem.
O tempo foi passando e um negrume tomou conta do céu, anunciando suas más intenções. Exaustos, as 18:30 encerramos nosso expediente numa curva de encosta menos inclinada e c/ alguns locais razoáveis p/ pernoite (na trilha mesmo), no exato instante em q os pernilongos endoideceram. Uma forte chuva cai logo depois, mas por sorte já estávamos devidamente instalados, a exatos 420m. Ninguém bivacou pq desta vez deu p/ acomodar as barracas. Na seqüência, preparamos a janta ou apenas mastigamos bolachas e sandubas, pra depois nos encasularmos em definitivo. Lá fora, por sua vez, a chuva tamborilava incessantemente o sobre-teto de nossas aconchegantes tendas.
 
DESCENDO ATE O SERTÃO DA FAZENDA
O domingo amanheceu chovendo de leve, mas quem nos acordou mesmo foi o Rafa, as 7hrs, q tava ansioso p/ chegar em Sampa. Aparentemente tds conseguiram descansar, c/ poucas queixas do povo: mesmo c/ o saco-de-dormir parcialmente molhado, dormi s/ dificuldades; já a Lu encanara c/ varias picadas dos mosquitos no seu semblante. Num piscar de olhos havíamos arrumado td, colocando o pé-na-trilha p/ terminar de vez aquela aventura.
Dessa forma, fomos perdendo altitude na mesma medida em q vencíamos a trilha, boa parte se debruçando pela encosta forrada de espessa vegetação, onde os obstáculos comuns eram pirambas lamacentas e escorregadias, riachos despencando serra abaixo ou arvores enormes repletas de cipós tombadas q deviam ser contornadas. Eventualmente a mata permitia frestas q possibilitassem algum vislumbre da paisagem, sempre tendo algum rio audível nalgum vale escondido na mata, à nossa esquerda. Qdo a trilha sumia, nos separávamos em grupos ate encontrá-la, e assim foi nossa rotina por quase td manhã. Nosso avanço era lento, porem respeitável, ao som da algazarra das jacutingas e corocochós. E, claro, c/ muitos capotes e escorregões.
Foi ai q o sol resolveu nos brindar c/ sua luz, iluminando os horizontes descortinados em meio ao arvoredo. Mas qdo a trilha parece nivelar e seguir sinuosa pela mata, eis q surge um novo desbarrancado a ser transposto, q nos forca a subir e descer abruptamente os metros sgtes. As 11:40 a trilha nivela e desce suave em definitivo, passando por amplos e largos colos de serra, ótimos p/ eventual pernoite, tds na cota dos 240m.
Aos poucos, nos aproximamos do imponente e caudaloso Rio da Fazenda, cujos rugidos em seus trechos mais encachoeirados já nos acompanhavam a um tempo. Por fim, na altura dos 150m a trilha torna-se um caminho batido e obvio, ladeado de muita vegetação marcada p/ fins científicos, sinal definitivo q estávamos próximos da civilização. Dito e feito, as 13:30 encontramos um casal de jovens pesquisadores confirmando isso, e 10min depois alcançamos o rio num trecho repleto de plácidos remansos, piscinões e pequenas cachus, onde tivemos merecido e demorado tchibum, fechando com chave de ouro nossa trip. Foi ai q reparamos q havíamos trazido a tiracolo imigrantes ilegais.. carrapatos!
Revigorados, continuamos o restante da pernada na total descontração, desimpedidamente. Após uma pequena represinha ladeada por pés-de-jaca, a trilha deu lugar a uma pequena estrada, q por sua vez caiu na simpática "Casa de Farinha", antigo engenho de cana e álcool transformado em engenho de farinha de mandioca, utilizado pela comunidade caiçara no entorno do pq, localizado no sertão da praia da Fazenda, sede do Núcleo Picinguaba em sp. Pausa p/ cliques e compra de farinha torrada fresquinha c/ seu Pedro, um velho caboclo q apenas endossou q a picada estava em total descaso. "Esse caminho já ninguém mais usa pq o povo daqui prefere pegar ônibus! Mas as vezes aparecem alguns 'esportistas' q chegam ate a metade e voltam!" disse ele, surpreso ao saber q vínhamos do outro lado da serra por um caminho q nem ele mais percorria.
Os 4km de estrada de terra sgtes passaram desapercebidos, ate q chegamos no pto de bus às margens da Rio-Santos, as 16hrs. O coletivo não tardou em passar e logo nos deixou na divisa, em Camburi, onde imediatamente tomamos o outro q nos deixou na rodoviária de Paraty, as 16:45. Lá aguardamos a Marina, Rê e Rafa, q foram ao Corisco buscar os veículos, retornando apenas às 18:30, onde finalmente comemoramos num boteco o sucesso de nossa bela empreitada. Nos despedimos emocionadamente, prometendo futuros perrengues e cada carro voltou p/ Terra da Garoa c/ seus respectivos passageiros, onde chegamos por volta de meia-noite.
 
Chegamos moídos, picados, cansados e ralados. Mas e daí? Melhor de td eram as emoções ainda frescas - à flor da pele até -  daquela trip num local paradoxalmente tão próximo de um gde e conhecido centro urbano, mas igualmente tão inóspito e selvagem. Um local onde fazia muito tempo q as bromélias não sentiam presença humana. Bem, depois de tanto tempo abandonada, espera-se q mais "esportistas" retomem a trilha do Corisco. Mas não só pelo prazer do desafio em palmilhar caminhos menos conhecidos, e sim p/ ajudar a preservar e manter um pedaço esquecido de nossa historia. E assim, fazer c/ q esta antiga vereda torne a ouvir pegadas castigando seu chão úmido por mais e mais tempo.

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